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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

CODINOME "PARCEIRINHO"


George Israel, cantor, instrumentista, integrante da banda Kid Abelha veio à Fortaleza mostrar, também, suas facetas como compositor, mas desta vez em parceria com Cazuza, um dos maiores poetas da música brasileira. Trouxe com ele o tecladista George Fonseca para se apresentar na IV Mostra BNB da Canção Brasileira Independente e no BNB Clube ao lado da banda cearense Vibes, formada por Ricardo Pontes (Voz e Bateria); Fabricio Alves (Baixo) e Rafael Magoo (Guitarra).

A carreira solo do saxofonista surgiu por volta de 2003, a partir da inspiração “Por trás desses olhos verdes”, música feita para seu filho que na ocasião completava 13 anos. Uma música tão especial merecia o registro, “só que não tinha nada a ver com o Kid Abelha ou dar pra ninguém”, conta Israel. Depois do incentivo pessoal e dos amigos foi lançado, em 2004, o primeiro álbum, “4 Letras”. Com a pausa temporária do Kid Abelha gravou em 2007, “Distorções no meu Jardim” e neste ano, lançou “13 parcerias com Cazuza”.

A parceria aconteceu por volta de 1983 quando Frejat e Cazuza receberam uma encomenda de uma música para o filme Beth Balanço, e ela tinha que ser um pouco diferente do que o Barão Vermelho fazia. Foi então que Frejat teve a sacada de apresentar Cazuza a George Israel “Eles me chamaram, acho que pra dar uma desanuviada, pra fazer com alguém de fora...”, conta. A parceria acabou rendendo, além de “Amor, amor”, muitas outras canções.

A ideia para a gravação de “13 parcerias com Cazuza” veio no fim do ano passado (2009) quando George foi tocar em um evento de poesia e o produtor [Glad Azevedo] perguntou quantas canções ele tinha com Cazuza, quando foi ver, percebeu que tinha algo em torno de dezoito. Esse foi o estopim para que George começasse a dedicar um tempo a (re)aprender a tocar essas músicas e gravá-las.

O álbum conta com a participação de várias gerações da música brasileira: Ney Matogrosso em “4 Letras”; Sandra de Sá em “Solidão, que nada”; Elza Soares e Marcelo D2, em uma releitura fantástica de “Brasil”. Segundo George Israel “Nessa música foi um trabalho mais de conjunto e que realmente botou a cara dos dois”. A música “Burguesia” trouxe a atitude rock’n roll de Tico Santa Cruz; “Mina” com Paulo Ricardo; a lúdica “Nabucodonosor” traz o Blitz Evandro Mesquita. O encontro entre pais e filhos em “Blues do ano 2000” reuniu Frejat, Rafael Frejat e Fred Israel “Foi uma certa viagem minha, a nova geração cantando Cazuza e filhos de parceiros dele tocando essa música.”, conta com orgulho. Para abrir o disco foi escolhida “Você vai me enganar sempre II”, com participação de Family Man (The Wailers) e que traz o registro da voz do eterno Cazuza.

"Um dia quando você menos esperar eu vou voltar cantando" (CAZUZA)

George Israel era chamado de "parceirinho" por Cazuza desde que passaram a compor juntos. Na entrevista abaixo ele fala sobre essa parceria, trabalho solo, independente, política e muito mais.

Voltando um pouquinho no tempo. Quando e como foi que você decidiu fazer trabalhos solo?
 
Eu sempre tive essa história de gostar de compor, de fazer trabalhos paralelos e sempre me dava uma certa angústia porque, por exemplo, um compositor manda uma música para um cantor, um grava, outro não... Fora o trabalho no Kid [Abelha], as músicas que eu faço com a Paula já estão destinadas a um CD gravado e isso é bacana. Mas fora isso o trabalho de compositor é um pouco duro nesse sentido, porque você depende dos outros gravarem para desengavetar as tuas coisas. Eu acho que foi uma forma. Aí em 2004, 2003 eu fiz uma música [Por trás desses olhos verdes] para o meu filho, que eu escrevi a letra, fiz de presente pra ele quando fez 13 anos e a música ficou muito legal. Foi uma música muito especial que eu queria muito que fosse registrada. Só que não tinha nada a ver com o Kid Abelha ou dar pra ninguém. algumas pessoas falaram: "Cara, tu tem que gravar essa música!" e gravei. Comecei a falar: "! Vou fazer um disco, pegar músicas que eu curto, que estão paradas." Achei que tava num momento legal de fazer - durante a turnê do acústico [Kid Abelha] que a gente ficou muito tempo - e aí eu fiz (gravou em 2004 “Quatro letras”). Fiquei contente com o resultado, fiz alguns shows... só que voltou o Kid [Abelha] e eu fiquei meio parado, mas com isso abriu um caminho na minha cabeça para que eu tivesse essa possibilidade. Foi muito legal porque depois que o Kid [Abelha] parou, aí já caí dentro direto. O Kid [Abelha] parou em dezembro, em janeiro eu já tava preparando um disco novo. Lancei "Distorções do meu jardim" em 2007 e agora veio esse ["13 parcerias com Cazuza"].

Como você conheceu o Cazuza e quando surgiu a primeira parceria?

Eu fui apresentado ao Cazuza pelo Frejat. Eles tinham uma encomenda de uma música para um filme - o Beth Balanço - e tinha sido pedido uma música com estilo um pouco diferente do que o Barão [Vermelho] fazia. Então, eles me chamaram. Acho que pra dar uma desanuviada, pra fazer com alguém de fora e pra fazer a melodia com sax, uma coisa que eu nunca tinha feito - que eu componho com violão - e o Frejat já era meu parceiro antigo. Isso foi em 83, eu acho, 84... Se bobear talvez tenha sido uma primeira música minha, gravada com um outro artista que não fosse o Kid [Abelha]. Quando o Cazuza tava para gravar o segundo disco solo dele, a gente se encontrou e ele falou: "Pô parceiro! Vamos dar continuidade, manda uma música aí." Aí eu mandei uma música que acabou virando “Solidão, que nada” que inaugurou essa parceria da gente e junto com o Nilo [Romero] também, e aí a gente saiu fazendo uma atrás da outra, acabamos fazendo umas 18 músicas.

Você acha que atualmente faltam hinos, como no caso da música “Brasil” que até hoje cabe ao momento político-social do país?

Acho que a gente passou por um momento interessante. Somos uma geração de bandas que apareceu depois da ditadura. Acho que foi a primeira geração mais consciente e, ao mesmo tempo, mais descompromissada. Porque acho que anteriormente o artista tinha que ser engajado ou era alienado. Então tinha uma patrulha ideológica forte e acho que isso meio que desapareceu. Quando começou a esfriar acho que vieram as bandas de garotada de cidade, de estudantes. Uma coisa que não tava rolando, antes tinha muito essa coisa dos medalhões da música brasileira, os grandes compositores. O próprio Cazuza no começo não escrevia, não tinha o mínimo compromisso com isso. Escrevia só letras de crônica, de pessoas, de amores... Ele começou já depois do Barão [Vermelho], se bem que o Barão não tem nenhuma música com esse tipo de approach, foi só na carreira solo dele e acho que só no segundo disco que foi o "Brasil", depois "Ideologia", "O tempo não para", "Burguesia". Eu acho que as letras de um modo geral, agora, as letras de rock, pop rock estão muito fracas, né? Acho que as pessoas que escrevem estão andando para um outro lado, mais para o lado da MPB. Acho que são os mesmos, na verdade, que ainda escrevem coisas desse tipo. As bandas de rock, de um tempo pra cá, não apresentam nada de muito interessante, fora um ou outro, fora Pitty... tem alguns, sempre tem gente legal. Mas assim em termos de movimento... Muita gente por fora, mas o que chega na mídia mesmo... é porque é uma coisa mais comercial, né?

O que você acha da obrigatoriedade do voto?

Olha, eu acho que a princípio numa democracia não deveria ser obrigatório, mas eu acho que é um estimulo sim. Muita gente, acho que, talvez tenha que se politizar um pouco por essa obrigação de votar, porque em certos momentos na vida política de um país que a pessoa, de repente, pode estar desinteressada, mas ter que ir a urna, ter que discutir, ter que pensar... Acho de uma certa forma importante no Brasil, até porque as pessoas são muito desinformadas. Nem todo mundo lê jornal, nem todo mundo vê noticiário na TV. Então, acho que o Brasil é um país pouco politizado, pouco informado. Talvez seja importante, mas isso também pode ser usado de forma negativa. Tem a história dos currais eleitorais, das pessoas que compram voto e que tem essa facilidade também de manipular essa massa, digamos, que não tem muita visão política, que estão mais interessadas na própria sobrevivência, no próprio interesse.

Você teve que reaprender a tocar as músicas para "13 parcerias com Cazuza"?

É. Eu tive que reaprender porque na verdade várias delas eu nunca toquei ao vivo, nunca mostrei pra ninguém no violão. Então, foi um trabalho que eu achei bacana fazer e nesse processo já fui vendo que tinha na mão um material bem bacana e importante por ser com um cara que é um dos grandes poetas brasileiros, um cara super importante também no movimento dos anos 80. Quando me vi com aquelas músicas todas, comecei a fazer o disco. Chamei o Dadi - produtor que era dos novos baianos, toca com a Marisa Monte - e nós dois começamos a trocar figurinha e começar a fazer os esboços de arranjo. Nisso a gente foi agregando os outros músicos, o disco foi organicamente se construindo e as participações foram vindo de uma forma assim, não muito planejada, mas acabou que fazem sentido, muito sentido e cada música tem um motivo, então o disco tem uma história bem legal.

Sobre as participações. Como foi a escolha dos intérpretes para esse trabalho?

Tem alguns que só o fato de cantar... O cara que nem o Ney [Matogrosso], como a Elza [Soares], como a Sandra de Sá, sabe? Só de você entregar na mão, na voz deles um arranjo novo, eles já se apoderam da música, tomam posse legal. Isso é muito interessante porque fica com a cara do cantor e, por exemplo, o Ney [Matogrosso] pediu pra eu fazer o mesmo arranjo que eu tinha mandado numa fita pra ele, quando fiz a canção [4 Letras] e fiz aquele esboço de arranjo só pra pessoa ouvir a música. Aí ele falou: "Ah! Eu quero desse jeito. Não muda não." Então já tinha uma indicação de um arranjo que ele curtia. Com a Sandra [de Sá] foi uma coisa mesmo de confiança da parte dela. Eu falei: "Ó, tô fazendo um arranjo nessa praia assim, assado." A gente tirou o tom, ela chegou lá no dia e mandou ver. Com a Elza foi um trabalho muito bacana. Ali teve uma criação. O D2 chegou a escrever pra música [Brasil], a gente fez com ele desde o começo. Nessa música foi um trabalho mais de conjunto e que realmente botou a cara dos dois, que tem muita personalidade - a Elza e o D2. Mas aí foi tudo meio que de interação mesmo e de ver que aquela canção por algum motivo foi dada para aquela pessoa e acho que foram bem acertadas as escolhas.

Como foi tocar com seu filho e o filho do Frejat?

Ah! É uma delícia né, cara.

Foram eles que te se incentivaram a gravar esse álbum?

Foi porque justamente meu filho mais velho é muito interessado em literatura, poesia e curtiu muito Cazuza quando conheceu. Eles com certeza me deram força pelo fato de estarem tocando também, de gostarem. A gente tem um gosto que, de uma certa forma, tem uma intersecção grande. Eles gravarem comigo foi um puta de um astral. A ideia foi justamente, a música chama “Blues do ano 2000”, então foi um ano que o Cazuza não tava mais vivo, né? Então assim, foi uma certa viagem minha de que "Blues no ano 2000" com a nova geração cantando Cazuza e filhos de parceiros dele tocando essa música.

Existe uma referência muito forte do blues no seu trabalho?

Tem. Eu acho que o Blues é a essência do feeling do Rock. O grande barato do Rock’n Roll é ter bebido da música negra. O cara que toca guitarra pra mim, ele tem que tocar Blues um dia. Tem que ter tocado Blues pra tocar Rock'n Roll.

Um paralelo entre sua carreira solo/independente e a do Kid Abelha.

São dois trabalhos bem diferentes. A forma de fazer música nem tanto - o outro disco foi até lançado por gravadora - mas o tamanho da produção, o tipo de show, são coisas distantes. É um clima mais independente realmente, que na verdade, os independentes são super dependentes - da boa vontade dos amigos e dos contatos. É uma coisa muito mais corpo a corpo do que uma banda que já tem uma história grandona, que já tem uma coisa de estrada, de turnê, mas que me expõe a fazer outras coisas que eu acho que tem sido muito divertido e construtivo. Que nem aquele dia que eu fiz o teatro [Mostra BNB da Canção Brasileira Independente]. Eu adoro tocar em teatro pequeno assim, acho uma delícia e me coloca num lugar que acho que lido bem, de ficar com pessoas de frente. Eu gosto do entretenimento das pessoas, de conduzir o show. Desenvolvi essa capacidade de improviso, de poder tocar com outras pessoas, por exemplo, vir para Fortaleza, tocar com uma banda daqui, trazer só um músico. Eu trouxe o George Fonseca, que é o tecladista. Nada fica repetitivo, nada fica acomodado em nenhum sentido. Você tem que estar sempre esperto. Então acho que isso rejuvenesce também, de uma certa forma. Banda você tem onde se "encostar", um se acomoda com o outro. A banda já tem um conjunto de forças ali. Todo mundo ta batalhando junto. No caso do Kid Abelha, com dois anos de carreira, a gente já tinha uma gravadora e uma música tocando pra caramba e é lógico que a gente teve que construir nossa carreira e foi a maior ralação. Tanto é que a gente demorou. Acho que o nosso auge foi no acústico, onde a gente realmente teve todo o reconhecimento estabelecido e bem claramente. Vinte anos depois, mas você ta sempre correndo atrás do próximo, do próximo... mas num certo sentido você já tem coisas resolvidas. Eu acho que quando você cai num lugar que ainda tem que entender aonde é que é o espaço, o que você tem que fazer, o que tem que conquistar. Eu to aqui conversando contigo, te explicando meu trabalho solo, se fosse o Kid Abelha você já tem muita informação, já conhece muita música e eu venho te falar de um trabalho novo, mas você já tem muita referência praquele e aí eu to chegando e ainda to explicando o que é. Então, fazendo aquele trabalho de formiguinha. Isso pra mim ta divertido, está um momento feliz.


ouça em http://www.myspace.com/georgeisrael

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