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sábado, 28 de janeiro de 2012

QUATRO INSTRUMENTAL: "SIMPLESMENTE COMEÇA A TOCAR E É MÚSICA"

Foi em uma noite ligeiramente fria, com uma temperatura de mais ou menos 19 graus, no bairro boêmio de Santa Tereza, em Belo Horizonte (MG), que conversei com os integrantes da banda 4instrumental. O quarteto se reuniu na casa do baterista, o Raul Lanari, onde planejaram a agenda de ações do grupo para 2012, que, ao que tudo indica, promete. Os caras já começaram o ano encabeçando a lista dos mais pedidos nas redes sociais para se apresentar na Virada Cultural.

A banda passou por duas modificações em sua formação. A primeira marcou a entrada do Raul na banda, no final de 2010, e a outra, no começo deste ano, trouxe um novo baixista. Agora é Marcelo Sponchiado que assume o baixo. O Tiago Salgado (teclado, synth's e flautas) e o Thiago Guedes (guitarra) continuam desde quando resolveram sem pretensões, em 2008, na cidade mineira de Sabará, formar o grupo.

As músicas têm referência no progressivo. Um progressivo cheio de brasilidade. As canções são longas, transitam pelo sombrio e melancólico, passando também por uma alegria infantil, lúdica como com a flauta da faixa "Hum". Linda! As canções te fazem sentir num determinado momento com os pés fincados no Brasil, num outro em qualquer lugar, menos aqui. Mas essas são algumas das minhas impressões. Aconselho se deixar levar pela melodia do 4. Vale a pena. 

Como o nome sugere é um grupo instrumental, gênero atribuído muitas vezes à músicos virtuoses. No caso deles segundo Lanari, "as músicas é que são muito doidas". Quando perguntado sobre o processo de criação das faixas, Salgado resumiu na seguinte frase: "simplesmente começa a tocar e é música". O primogênito álbum 4.1, gravado na Argentina, pode ser baixado aqui.

Infelizmente não tive a chance de assistir à uma apresentação ao vivo para contar como é. Acredito que vou ter essa experiência ainda este ano. O grupo quer vir para o Nordeste. "Pelamordedeus a gente tem que tocar no Nordeste!", disse Salgado.
Um quadro do Chapolin fora da parede, um armário lotado de CD's e outro cheio de livros, um de frente para o outro. Esses são alguns dos elementos que compuseram o ambiente descontraído e regado a cerveja (fiquei impressionada como mineiros bebem cerveja. Jesus!), que aconteceu a reunião.

Que tipo de estereótipo é ligado à música instrumental e como vocês acreditam que ultrapassam preconceitos atribuídos ao gênero?

Raul: Engraçada essa questão dos estereótipos porque eu ainda acho que a gente é associado à alguns estereótipos. Essa questão do virtuosismo, por exemplo, eu acho muito mais que as músicas é que são muito doidas do que, assim, é um grupo de músicos virtuoses. A música instrumental é muito ligada a questão do virtuosismo e da exímia técnica e no nosso caso, por mais que a gente faça uso da técnica, claro, a nossa preocupação tende mais a criar climas, passar emoções.

Thiago Guedes: É mais uma desconstrução do que já é proposto no convencional da música instrumental que a gente já conhece. Aquela coisa acadêmica, a gente tenta quebrar isso um pouco.

Quais outras bandas brasileiras do gênero vocês citariam que quebra esse tipo de preconceito e consegue uma aproximação do público?

Thiago Guedes: Eu acho que Macaco Bong é o principal. Depois vem muitas outras. Aqui em Minas Gerais tem a Constantina, o próprio Dibigode faz isso bem...

Raul: ...Aeromoças e Tenistas Russas.

Como é o processo de criação das músicas? Todos fazem ou um traz a ideia e o resto desenvolve?

Raul: Isso aí era para o Salgado falar, mas como ele falou que é para eu falar, eu vou falar o que ele falou outro dia. A gente não gosta muito de falar qual que é a história da música um para o outro. Quer que a galera vá criando de acordo com suas próprias concepções do que está acontecendo. A partir do momento que uma pessoa apresenta uma ideia o desenvolvimento é contínuo, em conjunto, e as vezes vai para um lado que o compositor da música não imaginava que essa música fosse. O que eu acho interessante no processo é justamente isso: depois que ele começa as coisas vão fluindo de acordo com o que cada um pensa da música e vai pra um caminho muitas vezes inusitado.

Salgado: É o que eu acho que torna o nosso som um pouco diferente do convencional. Eu acho que muita banda tem isso de ter um compositor e todo mundo seguir a linha de raciocínio daquela mesma pessoa. Acho que é isso que prejudica o andamento da música. Acaba limitando o trabalho. Quando você começa a construir um tema e não expõe até onde gostaria de ir e qual o caminho que gostaria de percorrer, eu acho que isso permite que as outras pessoas contribuam com ideias, levando a coisa para outros caminhos que você não conseguia imaginar. Para tornar a coisa mais orgânica mesmo, mais conjunta. Quando você faz jazz, é jazz do começo ao final. Então já tem uma sequencia lógica de raciocínio, e com a gente não existe isso. A gente não fala "vamos fazer isso, vamos fazer aquilo". Simplesmente começa a tocar e é música.

Alguém já disse que pensou numa história ouvindo a música de vocês?

Salgado: Meus amigos, pelo menos os mais próximos, a gente conversa muito. Todos eles criam uma história para cada música. A gente é muito ligado a isso de visualizar a música. Tem uma amiga artista plástica que fala que a nossa música é muito visual. Sempre que ela ouve, ela vê muita coisa, cria uma história, consegue ver mesmo uma sequência. E eu acho muito massa porque se eu apresento um tema, eu tenho uma história, mas a banda construiu junta e a história já se modificou. Cada um tem uma história diferente da minha e ao mesmo tempo você consegue fazer com que cada pessoa também crie uma outra história. Eu acho louco.

Aconteceu muita coisa para a banda em 2011. Teve a tour para fora do Brasil, a gravação do primeiro álbum e videoclipe, além do documentário. Como foi esse ano pra vocês?

Salgado: Já começa com um novo baterista. O Raul entrou no final de 2010. Então a gente já começou 2011 com baterista novo e já muda toda a história porque são características diferentes do jeito de se tocar, e a gente nunca fez questão de manter o mesmo estilo do outro baterista - não que tivesse algum problema, mas porque a gente está aberto às novas ideias. A composição não precisa seguir um padrão e os músicos têm liberdade de mudar o que quiserem. E 2011 já começou com essa mudança do baterista, já tinha esse planejamento do disco - o disco seria gravado e lançado em 2011. Tivemos pouco tempo para poder fazer isso, mas eu acho que a gente conseguiu colocar tudo no papel e concluir o cronograma da melhor maneira possível. Eu acho até surpreendente! Acho que nós produzimos mais do que a gente tinha programado a nível de produção.

Como foi a produção do primeiro álbum, o 4.1?

Raul: Começamos a fazer os ensaios lá na antiga sede do Fórceps; depois a gente foi para a Casa da Animação, um sítio lá na Arraial velho de Sabará; e a gente ficou quatro meses trancado, só ensaiando, não fazíamos shows nem nada. Então a gente se preocupou primeiro com os arranjos e em mapear as músicas para gravar ao vivo, que foi o que a gente fez. Depois a gente partiu para o processo de seleção de estúdio, que foi o mais difícil porque a gente tinha um orçamento que não era tão grande. Então, dentro desse orçamento, o Mathias Conejo - dos Falsos Conejos (AR) - deu uma sugestão de a gente ir gravar lá na Argentina porque sairia mais barato, teríamos melhores equipamentos com um custo mais barato. Então a gente apostou nisso. Fomos fazendo os cálculos, conversando com o pessoal lá e, no final de abril, a gente já tava com tudo acertado e fomos lá para a Argentina no começo de março, passamos 15 dias.
Foi bom não só para gravar, a gente gravou e fez também três shows; semeou uma relação de amizade com bandas locais, com produtores locais... Durante a gravação a gente teve a ajuda também, na produção, do Juan Stewart, que é pianista argentino e que também já produziu várias bandas da Argentina e ele deu vários toques de arranjo, o que soava mais confortável. Foi uma produção a princípio nossa, mas que tivemos a ajuda do Juan Stweart lá na Argentina.

E como foi a articulação para ir para a Argentina?

Salgado: Tudo começa com essa história da vivência que a gente têm no Circuito Fora do Eixo. O Mathias [Falsos Conejos] passou um tempo lá no Coletivo Fórceps e eu acho que essa estada dele lá foi essencial para visualizar que a gente poderia gravar um disco fora do país. Acho que a gente nunca pensaria uma coisa dessa se não tivesse tido esse contato com o Mathias e ele falar: "Olha, com essa grana dá pra ir, pagar passagem, conseguimos hospedagem honesta lá e gravar num estúdio muito bom". Então, acho que já começa com essa história da vivência mesmo, de troca de experiências, que é muito importante para todo lugar, não só pra ir para fora do país, mas para outra cidade, outro estado... Se você puder sair dessa sua zona de conforto, que você acaba criando uma rotina, você conhece a lógica de fazer as coisas. Acho que sempre que você sai desse espaço se permite abrir muito mais seu campo de visão.
E aí começou a conversa com o Raul (baterista), ele já fala espanhol muito bem, então já começou a conversar diretamente com o Juan, que ajudou a produzir lá o disco.
Foi nisso, o contato começou com o Mathias; Mathias passou os contatos que ele tinha lá de Buenos Aires; a internet hoje facilita isso também, você conversa com quem quiser no mundo todo, ali, em tempo real. Você não precisa ficar esperando dois meses para o cara te responder. Então eu acho que é a junção disso: a vivência, troca de experiêcias e essa coisa que é essa plataforma que é a internet, que eu acho que é fantástica.

Então essa seria também a lógica para se inserir nesse novo modelo de mercado da música? 

Salgado: Eu acho que é conversando mesmo. A gente têm o Circuito Fora do Eixo no Brasil, que funciona super bem pra isso. Acho que quem faz parte da rede sabe o quanto é fácil você dialogar com gente do país todo e agora até fora do país. O principal, independente de participar ou não do circuito, é conversar. A gente pega exemplo das bandas de metal da década de 80. Eu tenho amigos que tem banda de metal desde a década de 80 e os caras não conseguem sair daqui de BH ou de Sabará. E eu falo: "Pô, bicho, mas cê já fechou com deus e o povo, já abriu show pra banda grande, banda gringa, mas não fez um contato com a pessoa, sabe". Eu acho que falta conversar. Hoje, são poucas as bandas que eu vejo que não conversam, não dialogam e não querem somar. Antigamente tinha isso também de rivalidade. Acho que a banda tinha uma visão de que tava competindo com a outra. Tipo, "se eu falar com um cara que tem um espaço massa ali ele vai roubar o meu espaço"....

...e hoje não tem mais?

Salgado: Acho que hoje ainda tem, claro. Acho que pouca gente pensa assim, que não quer passar um certo contato com medo de tomar o espaço dele. Mas isso sempre existiu, acho que ainda vai existir porque competição faz parte da natureza humana. Mas o principal, se você quer rodar, ir para fora do país, para outro estado é conversando, e principalmente conversando com quem já foi. Porque não adianta você conhecer um produtor lá no outro estado e o cara não saber nada do teu tabalho e, de repente, através de uma outra banda que já foi e já conheceu o lugar vai te dizer: "Olha, você vai chegar nesse cara, mas vai antes nesse outro aqui que vai ser mais fácil, vai te receber melhor, esse outro vai gostar do teu trabalho e vai te chamar com certeza".

Como surgiu a ideia de gravar  o documentário "Salto no Vazio"

Raul: Na verdade, tudo foi resultado da viagem para a Argentina. A gente ia gravar o documentário do processo todo de gravação...

Salgado: ...desde a pré-produção até a gravação...

Raul: É. Mas acabou que, além de tudo, foi um documentário sobre essa viagem para a Argentina, que acrescentou muito para nós. Além dessa questão de contatos e tudo o mais. Tem o "quebrar a pedra junto". Você vai com um orçamento que não era grande; o que o Salgado falou, era uma hospedagem honesta, um apartamento para três pessoas, mas ficavam cinco. Tem toda essa rotina. O documentário mostra muito isso: como é que foi, o que a gente passou lá, a gente fez shows, gravou entrevistas, gravou o disco....
O documentário acabou registrando muito mais do que a gravação do disco, registrou uma temporada nossa na Argentina. Foi bom que a Argentina tenha proporcionado tantos frutos. O clipe da música "Hum" também foi gravado lá e mostra pedaços da gente gravando em estúdio e tocando a mesma música nos três shows que a gente fez. Emocionalmente é muito legal que a gente tenha esse material todo porque até hoje a gente vai na internet e vê os diários de bordo que a gente produziu lá também. Foram cinco episódios de diários de bordo das gravações na Argentina. Então a gente olha hoje e sente saudade de voltar lá. Ter feito esse registro foi muito importante.

Salgado: O registro foi feito pela Carou Araújo, grande amiga nossa já de antes do 4instrumental, tocou com a gente também nas gravações e nos shows... O trabalho foi feito em conjunto com ela que faz parte do Espaço Fluxo, grupo de artes de BH, que foi quem desenvolveu também todo o trabalho gráfico da capa, do disco, do formato daquela capinha.

E o que vocês planejam para 2012?

Salgado: 2012 acho que a história está se repetindo. Estamos com baixista novo. Planos não faltam.

Vai compor também, vai trazer coisa nova? 

Sponchiado: Ah, sim! Vamos tentar contribuir.

Salgado: O baixista não é você não, é outro.

Sponchiado: Enquanto isso a gente vai tentando.

[risos]

O que tá certo na agenda de vocês para rodar o Brasil?

Raul: Certo? Certo, certo... tem que ver se o mundo não vai acabar no fim de 2012. Vai só até novembro. Tem que terminar no dia 28 de novembro que ainda sobra uns dias pra curtir e tudo o mais...

[Nesse momento todos ficaram falando ao mesmo tempo sobre a data do fim do mundo, se vai até novembro, ouvi um "2 de dezembro".?.]

Raul: ...a gente tá trabalhando algumas músicas do 4.1 e a gente vai compor músicas novas para fazer um repertório não totalmente novo, mas com algum avanço. Tem integrante novo acho que é importante a gente chamar outras ideias para compor um caldo da música. O Marcelo vai tocar as músicas antigas do jeito dele, do jeito que ele já toca, mas ele contribuir no processo de composição é importante porque registra essa nova cara da banda. A gente planeja - tomara que dê certo - a gente já está ensaiando para fazer essas músicas. Pretendemos se possível gravar elas. Eu não sei se vai sair num EP, mas de repente, gravar numa qualidade menor e lançar na internet. Alguma coisa assim. Mas, já começar esse registro.
A gente planeja também viajar para alguns lugares do país que a gente ainda não foi. Tomara que a gente consiga realizar, são planos para 2012. Planejamos ir para o sul, nordeste, queremos voltar em São Paulo, algumas cidades que a gente já foi, fazer cidades de Minas Gerais também - tem algumas cidades que a banda foi e eu nem tocava: Uberlândia, Montes Claros... Então, voltar em algumas cidades e visitar o sul e o nordeste...

Salgado: ...já era plano em 2011, virou um sonho. "Pelamordedeus a gente tem que tocar no Nordeste!"

Vocês foram incluídos em um compacto do jornal europeu The Guardian. Como foi isso?

Raul: É um blog de música do The Guardian, aí todo mês eles lançam uma espécie de coletânea que chama "New Music Across the Map", que são músicas de bandas novas de vários países, que aí eles fecham uma coletânea, que o usuário pode ir no site e baixar a coletânea toda ou escutar faixa por faixa que tá disponível na internet e, em setembro, a gente entrou nessa coletânea.

Como foi que acharam vocês? 

Raul: Pois é, a rede, a internet isso é muito louco porque nos proporcionou algumas alegrias. A gente conseguiu mandar uma remessa de discos para o Japão. Tudo através da rede. O cara tava procurando uma música na internet, caçando bandas novas e aí achou o 4instrumental e mandou um e-mail, a gente começou a trocar ideias e o disco foi para o Japão e, na mesma semana, a gente descobriu uma resenha de um blog da Letônia. Dei a busca no google da 4instrumental e apareceu lá "ugakjahsbakein" uma coisa muito louca e 4instrumental. Aí eu, "deixa ver que parada é essa". Achei que era algum outro resultado do google, aí na hora que abre a página tem o logo do 4instrumental aí eu falei: "NÓ!!" E escrito em letão, eu nem sabia que era em letão, não entendia porcaria nenhuma, aí depois a gente foi descobrir que a parada era da Letônia, que o cara ficou sabendo através do The Guardian e daí publicou em um blog da Letônia, fazendo inclusive analogias com bandas lá da Letônia. Então isso é muito louco, o acesso, a chance de difusão do trabalho que a rede gera é uma coisa impressionante.

E se chamarem vocês para tocar no Japão?

Guedes: A gente vai fazer show até no inferno se chamar.

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