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sábado, 28 de abril de 2012

CASA DE FERREIRO, ESPETO DE PAU


Pode-se dizer que o músico João Rafael é um verdadeiro exemplo de que em casa de ferreiro o espeto é de pau. O ditado popular quer dizer que uma pessoa tem uma habilidade para determinada coisa, mas não a utiliza em seu benefício (continue lendo que você vai entender). O mineiro, natural da cidade de Sabará, é também um ativista da cultura. Suas ações se refletem no Circuito Fora do Eixo, através do Coletivo Fórceps.

João Rafael começou como guitarrista da banda Trianon, em 2003. Com ela, tocou em grandes eventos e recebeu alguns prêmios, inclusive como melhor intérprete. O término do grupo aconteceu, segundo ele, devido à mudanças de comportamento de cada integrante. Ao todo, eram seis. Uns queriam investir no trabalho autoral e outros pareciam acreditar que em time que está ganhando não se mexe. "Deixar de tocar cover e investir em um trabalho autoral fez com que a gente perdesse espaço em alguns eventos", explica João, que era um dos que preferia o investimento no autoral.

Antes de terminar, em 2010, a banda ainda fez alguns shows pelo Fora do Eixo, movimento do qual João já fazia parte. "A gente resolveu assumir esse encerramento por tempo indeterminado porque a agenda já era muito isolada: eu já tava dedicado ao Coletivo [Fórceps] praticamente 100%, com outras demandas sem ser da música; o Lucas, baterista, estava dedicado à universidade dele; e o Fofão com o 4instrumental, que começou a deslanchar muito rápido", justifica.

Em 2011, surgiu então a Peça Oratória em 1ª Pessoa, projeto solo de João.

- A princípio, a ideia era ser um projeto em constante evolução que não tivesse nada pré-definido. Eu tinha ali o escopo das músicas, onde eu queria que cada música tivesse alguém participando ou um amigo musical, algum artista que eu tivesse contato e interesse em trabalhar, e que isso fosse evoluindo a medida do tempo.

Na primeira apresentação, contou com as participações de Matias Conejo, baterista da banda argentina Falsos Conejos; Thiago Guedes e Tiago Salgado, estes últimos da banda mineira 4instrumental. João também se apresenta sozinho, só voz e violão. Ele quer lançar o Peça Oratória como um EP ainda este ano. "É um projeto que eu não tenho a visão de que seja um sucesso de público externo. Eu preciso que seja um sucesso meu", diz.

As músicas são puro banzo, o que eu chamo de um sentimento de saudade maior do que a saudade. Sobre a letra de algumas delas a resposta foi em 3ª Pessoa.

- Da Boca de Quem é uma música que fala de um saudosismo, de um carinho paterno que deixa de existir em um determinado momento que fica na memória do personagem; Pé de Valsa é uma música que eu acho muito bonita, gosto da melodia, muito da letra dela. Fala de um grande encontro na vida entre duas pessoas. É um grande acaso na vida de duas pessoas. É a visão de uma delas, né, claro. São dois personagens em reciprocidade, mas é um dos dois. É desse encontro e do que ele vive depois disso.

Voltando um pouco no tempo, em 2007, João estava se formando em Comunicação quando decidiu ser
membro do Circuito Fora do Eixo. Para ele, foi uma escolha muito importante. Na época, pediu demissão do emprego porque se identificou mais com a proposta do movimento. Dedicando-se cada vez mais às ações do FDE acabou se afastando um pouco de sua música.

- É foda você conhecer uma rede tão magnífica, entender a tecnologia, saber usar e não usar. Fazer de tudo um pouco e não faz o que talvez - eu ainda tenho dúvida - seja a minha maior tristeza, que é o que eu mais gosto de fazer e foi o que menos fiz nos últimos anos, que é tocar. Isso é ruim.

Hoje, João mora com mais três pessoas na sede do Coletivo Fórceps, onde é coordenador do Centro Multimidia. Entre as ações do Fórceps está o Festival Escambo, um dos maiores eventos de cultura independente do Brasil. Os quatro membros se sustentam com um caixa coletivo.

- O caixa coletivo não é tratado como uma remuneração convencional como é trabalhada no Brasil, que é uma remuneração ainda injusta e além de ser injusta não gera sustentabilidade. A maior parte do tempo o brasileiro tem dificuldade de sobreviver com aquele recurso que ele ganha e o capitalismo instiga as pessoas a saírem do âmbito do que é necessário. O caixa coletivo passa para o âmbito do necessário. Se divide esse caixa pra manter o núcleo durável. São 4 pessoas (João, Salgado, Fofão e Léo) que tem dedicação exclusiva ao coletivo, não tem outra atividade remunerada nem nada. A partir daí tudo que entra, independente se é um freelancer que alguém fez ou se foi um núcleo que gerou essa renda ou se é a casa mesmo que gerou a renda, vai pra esse caixa que vai sustentar essas quatro pessoas. Desde alimento - por isso a convivência fica mais fácil também, porque tudo o que um come o outro come também -, as contas são as mesmas. Todo mundo tem seu custo de vida mais ou menos levantado e esse custo de vida é mantido sem excesso. É uma vida que ninguém busca ficar rico, com luxo, mas é uma vida que a gente possa ficar feliz.

Quando João recebeu o prêmio de melhor intérprete não foi à toa. Canta com a mesma profundidade da melodia e da composição. Além disso, tem uma linda voz. Acompanhe o trabalho dele em http://joao_forceps.tnb.art.br/.

 

2 comentários:

  1. Adorei o som deles. Eles tem um estilo de tocar bem típico e isso pode se dizer importante para nossa cultura.

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  2. Muito legal a reportagem blogueira. Fiquei só sem entender a história do ferreiro e do espeto de pau..

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