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domingo, 15 de maio de 2011

TEM GENTE DIZENDO QUE ELE É LOUCO

“Tem gente dizendo que eu tô louco, que eu só falo em tirar coco. Realmente eu quero tirar o coco, pra depois quebrar o coco, pra saber se o coco é oco...”

Para quem não conhece, esse é o trecho de "Prá tirar coco", um dos clássicos da música tradicional nordestina que, na noite do dia 30 de abril, na Praça do Ferreira, em Fortaleza, proporcionou um dos momentos auges da festa em comemoração ao dia dos trabalhadores promovida pela CUT-CE (Central Única dos Trabalhadores) e entidades filiadas.

Cantada pelo mestre Messias Holanda a convite de Chico César - cantor e compositor paraibano que se apresentava na ocasião -, ambos se divertiam no palco acompanhados de Lívia Mattos (sanfona), Guegué Medeiros (bateria), Xisto Medeiros (baixo) e Zezinho Pitoco (percussão), além do público que cantava e dançava.

O momento representou muito bem a riqueza e a importância da decisão do então secretário de cultura da Paraíba, Chico César, quando afirmou que não irá pagar cachês para bandas que tocam “forró de plástico”, na festa de São João do estado.

Foto: Paulo Winz (1Bando/RedeCem)
Mas, o que seria forró de plástico e até que ponto um governo pode decidir pela população o que elas devem ou não consumir? Esses são os questionamentos daqueles que consideraram a decisão um tanto equivocada.

Ele responde a essa e outras questões como a lei do direito autoral; a iniciativa dos coletivos que colaboram com trabalhos autorais independentes; novos projetos; e a emoção de tocar na comemoração do dia dos trabalhadores, que contou com a presença de seu irmão Gegê, dirigente da Central de Movimentos Populares (CMP) que, perseguido por quase nove anos, foi recentemente inocentado em júri popular (decisão unânime) das acusações de ter dado fuga a um criminoso e ser mandante de um crime em São Paulo. Até mesmo o promotor de Justiça, Roberto Tardelli, pediu sua absolvição. Atualmente Gegê promete processar o Estado pela criminalização que sofreu em 2002.


ENTREVISTA

Marina: Aqueles que se posicionam contra sua decisão questionam o que seria o "forró de plástico".

Chico: Eu sei o que não é o forró de plástico. E quando eu falei forró de plástico, não citei nenhuma banda. Tanto as pessoas sabiam o que era forró de plástico que eles reagiram e defenderam a posição deles. A minha postura como gestor na Paraíba é a seguinte: preservar - dentro do papel do estado - um espaço de inclusão da música nordestina, da música que descende de Gonzaga, de Sivuca, de Jackson do Pandeiro; evitando que a monocultura imposta pelo mercado - que é excludente e exclui Pinto do Acordeon, Aleijadinho de Pombal, Marinez, as Bastianas, o Clã Brasil... O momento que esses grupos têm pra se apresentar é a Festa Junina. O Estado deve empoderar esses grupos, essas manifestações. Já os grupos que estão diretamente ligados ao mercado e que já tocam o ano inteiro em festas privadas, de prefeituras; a gente entende que não devem ser contratados nem pagos pelo poder público, nesse momento. Acho também que os grupos de hip hop, as bandas sertanejas, os grupos de rock... Porque é um momento da música nordestina. Então, quando eu disse: "O estado não vai contratar nem pagar forró de plástico, dupla sertaneja", eu quis dizer as coisas que o mercado têm imposto. E os meios de comunicação tem muito a ver com isso porque muitas rádios e canais de televisão que são concessões públicas - que tem o papel social, cultural, e não estão cumprindo -, pertencem a donos de bandas e casas noturnas que querem tornar tudo o que é público privado. Eles querem ser donos das festas juninas como já são donos das festas em geral. Coisas que já são empoderadas pelo mercado não precisam do incentivo do estado e principalmente nesse momento que é um momento das coisas nordestinas; dos trios de pé-de-serra; da música popular brasileira, que bebem dessa fonte, se manifestar.

M: Outro questionamento é se o poder público deve ou não decidir o que o público tem que consumir.

Chico: Quando o Estado vai recapear uma pista o governante escolhe que tipo de asfalto vai colocar pra recapear aquela pista. Quando nós vamos fazer uma festa popular pública o Estado tem, e deve, escolher quem vai, qual é o asfalto, qual é a massa, qual é o cimento cultural que vai estar naquela festa. Se não for isso, faça festa privada, aí você faz a estrada particular e bota o asfalto que você quer. Como a festa junina é uma estrada pública, uma via pública, o Estado tem que decidir. Se ele vai pagar, ele tem que decidir. Ele não pode simplesmente ficar dando dinheiro para que a iniciativa privada decida.

M: Você já conhece o Fora do Eixo (rede de coletivos que atua como multiplicador da cultura). Aqui temos a RedeCem (Rede Ceará de Música) que está integrada ao FDE nessa iniciativa de colaborar com os trabalhos autorais independentes. O que você acha do trabalho realizado por esses coletivos?

Chico: A economia criativa tem passado por mudanças muito bruscas. A gente ainda não está num lugar. Nós estamos no gerúndio, tem uma coisa acontecendo. Tem um modelo antigo de mídia - grandes gravadoras, grandes companhias -, que fazem cinema convivendo com novos modelos, novas tecnologias, a coisa digital permitindo não apenas que você consuma, mas que você também faça, e há conflito entre o que está vindo com muita fome, com muita sede, com muita vontade e o que já existia. Então há muitas confusões a respeito disso, inclusive no território do direito autoral. Porque você não pode entrar num lugar que vende máquinas vazias - computadores, pen drives, matrizes - para serem gravadas depois. Entrar e pegar. Mas esses aparelhos são feitos e essa indústria tem estimulado um discurso que é o seguinte: "Pegue o conteúdo! Não importa. Pegue e não pague." Isso tá errado! Então a gente tem que prestar atenção nessa mudança. Se eu não tivesse falando aqui, essa máquina estaria vazia [referindo-se a câmera que o filmava no momento]. Ela não valia nada, ela só vale quando é preenchida. Então o conteúdo tem que ser pago e tem que fazer os caras que fazem as máquinas vazias pagarem; já colocar um percentual do seu valor ali embutido para o direito autoral dos autores, escritores, músicos, atores, artistas, cineastas, a atriz com o direito de imagem. Isso tudo tende prevalecer. A discussão é boa, é interessante. O ECAD [Ecsritório de Arrecadação e Distribuição] já mostrou que precisa de um organismo coletivo que inclui governo e sociedade pra vigiá-lo. Mas o discurso do pode pegar qualquer conteúdo eu acho que ele é ingênuo porque a gente não pode pegar as máquinas.

M: E sobre o creative commons [projeto sem fins lucrativos que disponibiliza licenças flexíveis para obras intelectuais]?

Chico: Eu acho que o creative commons é um modo de as pessoas poderem trabalhar, ter acesso, fazer parcerias. Porque assim, cada um decide até onde o outro pode fazer usufruto da sua obra. Eu posso simplesmente gravar várias palavras, uma melodia, aí colocar lá e outros interagirem e ir passando; não ter uso comercial daquilo ou se for ter, ter que comunicar. Então, ele não é um bem em si, quer dizer um bem em si é que eu posso fazer parcerias com pessoas da Austrália, de Bom Sucesso, no interior da Paraíba, em Pindamonhamgaba, e eu posso fazer a minha arte circular e entrar em contato. Então isso é uma coisa boa. A discussão sobre direito autoral, ela tem que ser aprofundada. Acho que tava bem avançada, deu uma retrocedida agora, mas cabe a nós, cada um, se colocar, dizer “eu quero isso!” A gente tem que se posicionar.

M: Você está com o álbum “Francisco forró y frevo” desde 2008. Atualmente está preparando alguma novidade, projeto novo?

Chico: Quando eu pensei em gravar um DVD do “Francisco forró y frevo” me chamaram pra prefeitura de João Pessoa, pra assumir a secretaria [cultura] lá, aí eu não tive mais tempo nenhum. Mas agora eu tô pensando em gravar um DVD do “Aos vivos” [2005] - meu primeiro disco -, que aí é voz e violão, senta num canto. Acho que a próxima obra vai ser o DVD do “Aos vivos” e a [gravadora] Biscoito Fino tá fazendo agora um DVD “Cantos e encontros de uns tempos pra cá”, que é gravado ao vivo, dentro da Paraíba, com participações de Bethânia, Ana Carolina, Chico Pinheiro, Elba... aí isso vai virar um disco.

M: Como foi fazer parte dessa comemoração pelo dia do trabalhador?

Chico: Eu fiquei muito emocionado porque meu irmão Gegê estava aqui - eu não sabia que ele estaria - e falando no meio dos seus companheiros, passou por um processo kafkiano recentemente - ele é líder do movimento sem teto em São Paulo e líder nacional do movimento -, ficou aí 9 anos processado, perseguido pela justiça de São Paulo, chegou a ser preso, ficou 50 dias no cadeião de Belém, Pinheiros. A gente ia lá tentando e, finalmente, agora a jutiça de São Paulo, o próprio promotor entendeu que tava errado, então o promotor pediu a absolvição dele. Isso foi bom porque o movimento social tem sido muito perseguido em São Paulo e tava desfalcado sem a presença dele. Agora ele pode entrar com força de novo, liderar as pessoas que não tem onde morar. Hoje foi muito especial porque ele falou - que é um pedaço da casa da família, né? - e depois eu toquei, fiz a festa e foi lindo. Os trabalhadores participaram, comecei tocando o Ednardo que é uma música que eu adoro e é sempre bom estar aqui no Ceará.

2 comentários:

  1. Massa a entrevista Marina ! viva a lucidez do Chico Cesar, apoio total !!!

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  2. Todos que se atreverem a entrar no caminho da mídia serão de alguma forma penalizados.

    Todos que se atreverem a ter opinião discordante dos grandes grupos econômicos ou que os atrapalhe em seu único objetivo, que é ganhar dinheiro a qualquer preço, serão massacrados pelo rolo compressor.

    Chico César foi muito lúcido em defesa da cultura nesta decisão, mas ele está em um cargo político, e o que se espera de um político é que ele compactue e favoreça os interesses dos grupos que financiaram as campanhas, e não que atrapalhem sua cavalgada lucrativa, caso continue com esta postura não terá muito tempo neste tipo de cargo.

    abcs Chico César :)

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