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sábado, 4 de junho de 2011

MÚSICA PARA NOVA GERAÇÃO

Com público cativo em Fortaleza, a Maldita esteve, no dia 14 de maio, para mais uma apresentação (essa é a quarta) na capital cearense.

Dessa vez o show não foi tão performático quanto se esperava, mas também não deixou a desejar. O som peculiar, as letras pervertidas, a voz fantasmagórica e o sadismo da banda carioca, levou os poucos presentes na casa ao delírio. "Nossa ideologia é seja você mesmo! Se expresse da forma como você sentir vontade, mas sem chegar a extremos. Por exemplo, teve um babaca aí que apagou um cigarro em mim e eu tive que dar um chute nele", contou Erich, o vocalista. Além dele, a formação traz Magrão (baixo), Lereu (guitarra) e Vidaut (bateria).

Abaixo segue entrevista realizada com a banda após a apresentação.

.:Entrevista  

A banda já recebeu prêmio, tem milhares de visualizações no youtube. A quê atribuem esse reconhecimento?

Erich: Eu acho que, de um modo geral, a gente da Maldita leva a coisa da banda muito a sério. Tem muita gente que pensa que ter uma banda é uma enorme diversão - você conhece uma porção de gente de banda, toca e se diverte. Na verdade, a gente encara isso com o mesmo profissionalismo que a gente encararia uma empresa. Então isso contribiu muito pra gente estar galgando, chegando onde a gente está. Subindo, assim, hierarquicamente. E no final das contas a gente é uma banda independente, é muito difícil, no Brasil principalmente. Não há subsídios pra você levar sua banda pra frente e, na verdade, por a gente tratar isso de uma forma profissional que eu acho que a gente consegue conquistar um lugar no espaço, no dicionário, ter um destaque no cenário.

Vocês estão pela quarta vez em Fortaleza. Como é sair do eixo Rio-SP e ter público em outras regiões?

Erich: É maravilhoso! Eu não tenho palavras pra explicar o que é a sensação de você estar voltando aqui ou de você estar chegando pela primeira vez em Terezina e ver que tem uma pequena multidão de fãs. A gente tem uma margem enorme de fãs que são menores, que se identificam muito nessa fase da adolescência. Hoje na verdade o show não estava tão cheio assim, dos quatro shows que a gente fez foi o mais vazio e acredito pelo fato de que não podia ter menores de idade, o local também. É o que eu falei: é por conta do trabalho, da seriedade com que a gente encara esse trabalho. Porque vestir uma roupa de doidão, ficar parecendo uma mulher, um maluco do fetiche e sair fazendo uma porção de merda, entendeu, você não vai chegar a lugar nenhum e, se a gente está onde está, é porque trabalhamos muito duro pra isso.

Fala sobre o processo de divulgação através das mídias sociais. Como isso reflete na banda?

Erich: Eu particularmente não sei muito, não. Sou um pouco renegado da internet, mas a gente tem pessoas na banda que levam isso muito a sério. Porque hoje em dia você não precisa nem de uma assessoria de imprensa. A assessoria de imprensa está aí na sua frente: é um computador, é um twitter, é o facebook, todas essas redes aí de comunicação. Isso, com certeza, é o maior agente de transmissão de informação da nossa época. Não é a toa que essas bandas teens - aqueles coloridos, os pokemons, os emos, sei lá como é que se chama - tem tanto destaque. Porque eles sabem usar a internet melhor do que o pessoal da nossa idade. Eles cresceram com isso. Essas ferramentas de comunicação são fundamentais pra levar qualquer banda independente pra qualquer local.

Sobre o documentário "Bastardos da América". Como foi essa experiência e pretendem fazer outro trabalho do tipo? 

Erich: Eu mexo muito com a coisa audiovisual também. Eu gosto muito de editar filmes. Trabalho como diretor dos clipes da Maldita e a Maldita é uma banda bastante audiovisual. A gente trabalha muito com o audiovisual que é uma questão que eu domino. Então, no caso do "Bastardos da América", foi uma ideia que eu tive de fazer um documentário. O guitarrista da nossa banda, o Lereu, ele mora na Rocinha e a gente queria fazer um documentário sobre como em pleno século XXI faz pra sobreviver um roqueiro na periferia. Como faz pra sobreviver esse gênero tão popular, esse que é o gênero dos gêneros, é o maior dos gêneros da história da música: o rock'n roll. Acho que atualmente ele anda um pouco translúcido porque são tantos ritmos, tantas influências, tanta informação ocorrendo; tudo simultaneamente pela internet e a gente queria fazer uma pesquisa qualitativa.

Era pra ser um documentário e o documentário acabou virando um clipe. A gente acabou inserindo o contexto do "Bastardos da América", fez uma conjuntura dos fatos. Pretendemos fazer outro documentário, sim, mas acho que no morro não.

A Maldita vai além da arte da música, vocês trazem a performance teatral. Fala desse intercâmbio entre música e teatro.

Erich: Quando começou o projeto Maldita - eu fui fundador do projeto e começou com um show experimental de música e poesia, mas não tinha música era basicamente poesia - eu gostava de tomar um último flerte, tomar um banho de sangue. Ia no açougue algumas vezes, depois comecei a tomar banho de sangue artificial (cenográfico) porque fazia muito mal pra pele - o sangue fresco de boi - e eu gostava de recitar coisas imundo de sangue e tinha gente que adorava também. Começou a ter um pessoal que se identificou com isso e essa questão performática.

Acho que vem dessa proposta desde o início: realizar a coisa de terror que é o gênero que particularmente mais me atrai e é o gênero que a gente acabou incorporando na hora de compor as músicas da Maldita. Tem um filme chamado Colheita Maldita, então "vamos fazer uma banda chamada Maldita"; tem um personagem no filme chamado Malachi, então "vamos fazer uma música aí". Então, acaba que a duas coisas sempre andaram simultaneamente juntas.

Fala sobre os três álbuns já lançados [Mortos ao amanhecer (2005), Paraíso Perdido (2007) e Nero (2010)]. No que eles se diferem?

Erich: O primeiro é uma coisa mais pueril, do início da carreira. Eram coisas que eu já trazia comigo desde a adolescência, então tem uma pegada mais pessoal e um pouco mais adolescente pode-se dizer. Enquanto os emos estão gritando razões e emoções a gente gritava a história de um cara que matou a namorada e aí depois... Esse primeiro disco é de 2005, mas a gente já tinha músicas que vinham desde 2001, então é uma coisa bem antiga. O segundo é de 2007. Ele marca uma coisa assim mais dinâmica da banda, a banda mais entrosada. A banda pronta. Até a banda chegar a essa formação, entrou e saiu uma porção de gente entre loucos e caretas. Então o segundo disco, "Paraíso Perdido", marca mais isso: o momento em que o pessoal estava mais entrosado, sabia melhor o que estava fazendo e você pode sentir isso.

No "Nero", que é o nosso terceiro disco, lançado no ano passado (2010), o Nero fala, o nome já diz tudo: do imperador sarcástico, que enamorava a própria mãe, fazia uma porção de perversão país afora e definitivamente ele tem uma cara muito mais madura da banda e marca, eu acho, o início dos meus estudos na psicologia, inclusive me formo agora, posso clinicar. Quem aí tiver com problemas psicopatológicos... embora a academia não me recomende muito. Mas, então, marca muito esses temas de perversão, neurose, psicose, são coisas muito marcantes nas letras.

Porque você acha que a academia não te recomendaria?

Erich: Porque a sociedade psicanalítica a gente tem várias idiossincrasias que eu acredito que um cara como eu não pode passar uma imagem muito bacana pra analisar uma pessoa que esteja com problemas. É um preconceito que eu falo de brincadeira porque uma das coisas que a gente aprende em primeira mão na psicanálise é que você não pode julgar um livro pela capa, enfim toda aquela coisa clichê. Agora, eu não sei se as pessoas entrariam no consultório se me vissem assim de unha pintada, todo arranhado, com queimadura de cigarro, de saia... se eles iam deixar o filho deles ali pra se tratar comigo.

Sobre cantar em português. Já ouvi músico falar que acha que cantar em inglês é mais fácil, mais sonoro...

Erich: Mas se fosse mais fácil eu tava fazendo música pop. A gente não quer o mais fácil, a gente quer justamente o mais complicado e é por isso que a gente tá aqui agora tocando esse ritmo tão peculiar que é a Maldita. As pessoas não sabem dizer o que que é: se é industrial, se é metal, se é gótico... A língua anglo-saxonica soa melhor, as palavras são muito subjetivas porque ninguém realmente entende 100%, então você cria as frases na sua cabeça. Se você pegar a letra traduzida ao pé da letra, não é o que a gente pensa que é em algumas vezes e, na maioria das vezes, ela é muito mais ridícula do que o que a gente confabula na nossa cabeça.

A gente cresceu com a lingua portuguesa, fomos alfabetizados na lingua portuguesa. Acho um desrespeito, uma preguiça você compor em inglês. Quer compor em inglês? Ok! Mas vai tentar fazer carreira lá fora, entendeu? Isso aqui é Brasil e não tem nada melhor do que ouvir do bom e velho português. Porra! Renato Russo, Cazuza... Enfim, não cabe a mim ficar citando agora, mas a gente sabe que ouvir em português é muito melhor, expressa muito melhor o que a gente está sentindo.

Sobre a reforma da Lei de Direito Autoral, dessa nova gestão do MinC com a Ana de Holanda, que para muitos agentes da cultura (música, arte, cinema) representa um retrocesso. Qual a postura da banda em relação a esse assunto?

Vidaut: É difícil porque no Brasil qualquer tipo de órgão, nego mete a mão. Por exemplo, hoje aqui (referindo-se ao bar que tocaram) era pra ter alguém do ECAD pra arrecadar. Não tem! Acho que ainda falta muito para que esse dinheiro realmente venha parar na mão dos músicos. Então é muito pouco o que se faz.

Erich: Cara, isso aí não é novidade, não. Acho que isso aí é reflexo do Brasil, nosso grande Brasil, Bom dia Brasil! E a gente descobre uma porção de filha da puta aí, mas realmente não muda muita coisa. Você falou aí dessa Buarque Holanda, sei lá o que que é. Tem outra aí, a Maria Bethânia com R$ 1 milhão pra fazer um site. Cara, eu acho que é lógico que os véus vão caindo, as vezes as coisas vão ficando mais aparentes, mais evidente... Mas e aí? Muda alguma coisa? Dá pra gente mudar alguma coisa? Acho que a gente vive numa época muito doida, a gente tá num mato sem cachorro com essa coisa de internet, não tem como você ter controle. Um porção de gente que pega coisas da Maldita e de outras bandas e fazem releituras, remixes. Quer dizer, eu vou ficar disputando, lutando com essas pessoas? Acho que chegou num ponto em quê a internet tá tão fora do controle, de limites. Chegou um ponto que você nem perde mais com isso, pelo contrário, você ganha porque o cara é um DJ e, de repente, ele tá divulgando a sua música lá em Miami. Porque agora a gente ganha dinheiro com show. O músico tem que se concientizar disso.

Vidaut: Ainda não acharam uma forma pra isso: pra fiscalizar a internet. Ainda não acharam um método.

No show, você [Erich] dedica uma música para o Osama Bin Laden. Até que ponto a apresentação é teatral ou realmente uma postura da banda?

Erich: É porque essa música chama "Bastardos da América". Não tem nada de político. Mostra como a gente tá no ombro do americano e ao mesmo tempo tá super na moda dizer que "não, a gente odeia os caras". E todo mundo faz isso. Essa câmera vem de lá e a gente fala mal, mas a gente consome. A forma de a gente se expressar é assim: sarcástica, irônica, criando... Eu dedicava essa música ao presidente dos Estados Unidos, o Barack Obama, que agora estão chamando até de 'Barack Osama'. Enfim, agora que largaram o prego no Osama Bin Laden aí veio a de dedicar a música pra ele.

Vidaut: Tem que ter o personagem pra você usar ele no palco - não precisa ser o tempo inteiro -, mas é óbvio que tem. Arte é isso. Mas esse foi um momento sério.

Abaixo segue clipe da música "Nero".



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